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ARTIGO

Compras públicas por Municípios

Artigos de Opinião / Publicado em 04.março.2022

*Daniel Gomes Soares de Sousa

Recentemente foi publicada a nova lei de licitações públicas e contratos administrativos (Lei federal nº 14.133/2021), com a previsão legal de diversos instrumentos que, na prática, já eram utilizados por alguns órgãos e entes federais e validados pelo Tribunal de Contas da União – TCU.

Destaca-se como diretriz para a novidade legislativa os aspectos relacionados ao aperfeiçoamento da governança pública, com ênfase no planejamento contratações, gestão de riscos e integridade nas aquisições públicas (temas que demandam artigo individualizado próprio para explanação do respectivo impacto prático pelo viés do ente público e da empresa que transaciona com o Poder Público).

Na fase preparatória do certame, passa a ser obrigatória a apresentação pelo ente público de estudo técnico preliminar para legitimar o procedimento, com a demonstração do problema e a melhor solução para sua superação, documento este que servirá de base para a edição do anteprojeto, projeto básico e termo de referência, a depender do regime de execução a ser implantado.

Na fase final dos atos preparatórios ao lançamento de edital, deve ser expedido parecer conclusivo por órgão de assessoramento jurídico da Administração, ato que prima pela verificação da estrita legalidade do certame, contemplando acurada avaliação de todos os atos administrativos praticados até então.

Outrossim, para adequada condução do procedimento licitatório, mostra-se prudente que haja regulamentação própria pelo ente, conforme suas peculiaridades estruturais, inclusive com a previsão de assessoramento jurídico e de controle interno para o desempenho das funções de pregoeiro, agente de contratação e comissão de contratação.

Nas contratações de grande valor, pode ser utilizada nova modalidade licitatória, chamada de diálogo competitivo, oriunda do direito internacional, que serve para busca de solução para aquisições complexas voltadas à inovação, que demanda expertise redobrada para encontrar a modelagem adequada para fazer frente à necessidade pública no caso concreto.

Ademais, em tais contratações de grande vulto, as empresas participantes devem ter obrigatoriamente plano de integridade próprio, que iniba qualquer forma de corrupção e facilite a apuração no caso de práticas infracionais/ilegais pelos agentes públicos ou privados envolvidos na licitação.

Por isso, compete aos órgãos públicos estabelecer critérios normativos para avaliação dos programas de integridade válidos para legitimar as empresas concorrentes em licitações de sua alçada.

Frise-se: estas e outras inovações normativas contempladas na Lei Federal nº 14.133/2021 agora foram impostas a todos os entes federativos, inclusive aos Municípios.

De acordo com o IBGE, o país conta com 5.568 Municípios, o Distrito Federal e o Distrito Estadual de Fernando de Noronha. A multiplicidade de entes de natureza municipal espalhados pelo Brasil garante também uma diversidade estrutural e financeira das respectivas administrações.

Portanto, com fundamento na ampliação da transparência, eficiência e competitividade, os novos mandamentos licitatórios impuseram forte desafio aos Municípios, cuja realidade no que toca a recursos públicos e quadro de servidores públicos destoa completamente do cenário federal (ministérios, secretarias, milhares de servidores efetivos e comissionados, forte arrecadação tributária, etc.)

É bem verdade que a integralidade dos novos comandos legais somente será obrigatória a partir de 01 de abril de 2023. Para os Municípios com menos de menores de 20.000 (vinte mil) habitantes (realidade de 104 dos 141 Municípios mato-grossenses), as obrigações de segregação das funções de licitar e fiscalizar, de promover licitações exclusivamente eletrônicas e a integração ao Portal Nacional de Contratações Públicas somente se concretizará em 01 de abril de 2027.

Contudo, o tempo remanescente deve ser utilizado para o aprimoramento administrativo para fazer frente às novas demandas legais, acima citadas.

O ideal seria que as administrações municipais pudessem se organizar para formar procuradorias integradas por servidores efetivos, concursados para cargo próprio.

Porém, quando isso não for possível diante da peculiaridade estrutural, os Municípios podem contratar escritórios de advocacia com expertise na área, mesmo sem licitação, conforme entendimento já validado e recentemente reafirmado pelo Superior Tribunal de Justiça, já na vigência da nova lei de licitações ora abordada.

Portanto, os gestores municipais não podem perder tempo para a qualificação da administração local quanto ao novo regime jurídico de contratação pública no Brasil, sob pena de assumir o risco de praticar atos em descompasso com a legislação vigente, situação que pode ensejar severa punição administrativa, cível, eleitoral e até criminal.

*Daniel Gomes Soares de Sousa é Procurador do Estado de Mato Grosso e advogado no escritório Segatto Advocacia.