Por Ricardo Alves dos Santos Júnior*
De acordo com a Constituição Federal os valores devidos pelos entes públicos, que decorram de sentença judicial definitiva, devem ser pagos mediante precatórios e requisições de pequeno valor (RPV).
O importe a ser pago a título de requisições de pequeno valor são definidos por leis próprias de cada ente, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o mínimo igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social. Logo, por exclusão, o que não se amolda ao conceito de RPV, é precatório.
O rito da RPV é, por força da própria teleologia intrínseca ao instituto, eminentemente mais célere, conforme a previsão contida no art. 535, §3º, II, c/c art. 910, §1, ambos do NCPC, de modo que a Fazenda Pública executada possui o prazo processual de 02 (dois) meses para proceder com a quitação da dívida, mediante depósito na agência de banco oficial mais próxima da residência do exequente, não estando sujeita à fila, mas sim ao esgotamento do termo legal.
Portanto, diferentemente do que se sucede em uma relação privada, na qual o acervo patrimonial do devedor é usado para honrar a obrigação reconhecida pelo Poder Judiciário, os liames envolvendo entes públicos possuem um regime próprio de adimplemento.
Cumpre registrar que nem toda dívida pública deve ser paga por precatório. Apenas as decorrentes de decisões judiciais definitivas que condenam o ente público a pagar algum valor em dinheiro; se a obrigação for de entregar um bem ou fazer algo, o regime de precatório/RPV não se aplica.
A regra do precatório/RPV se justifica pelas características dos bens públicos, que são inalienáveis e impenhoráveis, como regra. Logo, salvo específicas exceções, não é possível bloquear valores do Erário ou penhorar bens da Administração Pública, razão pela qual se criou um sistema de pagamento próprio para tais dívidas, sem que o Ente público se submeta à execução forçada
Dessa forma, o precatório/RPV é a formalização de um ato emanado do Poder Judiciário, que contém uma determinação de pagamento pela Fazenda Pública. Em outras palavras: é uma ordem judicial de pagamento.
Apesar disso, este comando e os demais atos a ele interligados possuem natureza administrativa, e não jurisdicional, segundo entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça.
Em síntese, o Tribunal de Justiça ordena que o Poder Executivo, por força de uma condenação judicial deste último, inclua no respectivo orçamento a quantia suficiente ao pagamento do quantum fixado. Desse modo, cria-se uma lista de credores que receberão o que lhes é devido de acordo com a ordem cronológica de apresentação dos precatórios.
Vale dizer que a própria Constituição consagra algumas preferências, como por exemplo a natureza alimentícia do crédito, a idade do credor, o fato de ser portador de deficiência ou ostentar alguma doença grave, na forma da lei. Todavia, mesmo nesses casos há um limite financeiro que não poderá ultrapassar o triplo do montante designado para as RPV.
A criação de uma ordem cronológica evita favorecimentos pessoais indevidos, além de garantir um mínimo de previsibilidade ao pagamento, permitindo que a Administração Pública se planeje para quitar suas dívidas, o que vai ao encontro do princípio da eficiência e responsabilidade na gestão fiscal, que obviamente não se dissociam da ideia de escorreito planejamento orçamentário.
Por isso, o desrespeito a ela implica sanções severas, que vão desde o sequestro da quantia necessária ao pagamento da dívida até mesmo a responsabilização do gestor por crime de responsabilidade.
Normalmente, o pagamento deve ser feito até o final do exercício seguinte. A título exemplificativo, na hipótese de o Ente devedor receber o precatório até 02 de abril (até a entrada em vigor da EC 114/2021, em dezembro de 2021, este prazo recaia em 01 de julho) do ano de 2021, deverá pagá-lo até 31/12/2022. Trata-se do regime geral.
Por sua vez, paralelamente ao regime geral, coexiste a figura do regime especial, no qual o ente devedor utiliza parte de sua receita corrente líquida por um tempo, para pagar as dívidas. Este regime foi criado para socorrer os devedores que estavam em mora até então, notadamente os estados e municípios, e desde a sua criação vem sendo atualizado através de Emendas Constitucionais. Atualmente, a Constituição autoriza o pagamento até 31/12/2029 (EC nº. 109/2021).
Essas regras servem ao propósito de esclarecer o espírito que norteia a organização de um procedimento rígido para o pagamento das dívidas públicas, em fiel subserviência aos princípios da eficiência, moralidade, legalidade e, acima de tudo, à proclamada impessoalidade.
É exatamente em função dos pontos elencados que reside a importância do fiel cumprimento das regras alusivas ao precatório/RPV, e o rigoroso controle sobre o processo judicial que gera tal obrigação, já que as possíveis falhas, em última ratio, terá como consequência a indevida condenação da Fazenda Pública a pagar vultoso numerário, por vezes atrasando ou impedindo a percepção do que é realmente devido aos demais credores da fila.
Em suma, é do interesse da sociedade, que a ritualística dos precatórios seja obedecida na íntegra, sem máculas. Para tanto, mostra-se imperiosa a adequada preparação da Advocacia Pública, no intuito de exercer a defesa do múnus público com excelência, de modo a proteger, ao fim, a população em geral.
Ricardo Alves dos Santos Júnior, advogado e Procurador do Município de Cuiabá.